Sobre Fernando Sabino e minha primeira crônica
11 de outubro de 2004 - Jose Rocha

A primeira vez que me apresentaram à crônica foi em 1973, numa escola do São João do Tauape, bairro da minha querida Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Eu, aluno de português do professor Moacir - não lembro o seu sobrenome -, guardo ainda hoje o livro didático com a crônica "Selva de asfalto", de Fernando Sabino, onde ele narra, com a maestria que dispensa comentários, a cena de uma discussão de trânsito no centro do Rio de Janeiro.

Li, desde então, muitos cronistas, dele, Fernando Sabino, ao excelente Mário Prata, passando por várias gerações de bons escritores brasileiros, entre eles Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, com quem mais me identifiquei, embora Drummond tenha sido meu poeta preferido. Publiquei um livro de crônicas em 2003, de crônicas esportivas, onde Nelson Rodrigues foi meu grande inspirador - "Coração de Leão" chamou-se o livro, contando a minha história como torcedor do Fortaleza Esporte Clube.

Em 1983, dez anos depois de ter lido Fernando Sabino no ginásio, e de ter sido apresentado a um cronista, minha irmã Ângela sugeriu que uma frase do escritor mineiro abrisse meu primeiro livro, o ingênuo "Espelho quebrado", de poesia, com tiragem mínima - e única - de 500 exemplares, paga às próprias custas no Brasil pré-Diretas. A frase dizia algo como "se me perguntarem o que desejo ser quando crescer, direi que quero ser menino". Minha irmã achou que aquilo tinha a ver comigo - e ela também gostava muito do Fernando Sabino. Assim foi feito - o meu primeiro cronista no meu primeiro livro.

Já se vai uma vida desde que encontrei a palavra afiada e inteligente do bem humorado Fernando Sabino. E hoje me lembro daquele dia, em 1973, numa escola do São João do Tauape, quando o professor Moacir - de quem não me lembro o sobrenome - me apresentou o estilo literário ao qual mais me dedico nesses tempos da mesma "Selva de asfalto", de "O homem nu" - do "Encontro marcado" com o novo século, a modernidade e o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva, a quem dediquei meu primeiro voto, nas eleições para governador de São Paulo de 1982.

Mas hoje, véspera do Dia da Criança de 2004, véspera do aniversário de 82 anos do bom Fernando Sabino, a Internet me conta que o meu primeiro cronista morreu em casa, no Rio de Janeiro, de um câncer no sistema biliar, o mesmo que me levou meu pai - quando "troquei de mal com Deus" - em 2003.

Fico triste com a notícia. Fico profundamente triste - lá se vai Fernando, que queria conhecer São Francisco de Assis no céu e lhe chamar de "Chiquinho". E venho aqui, na frente do meu velho computador, escrever para pedir a São Francisco de Assis que receba meu querido cronista, lá perto de Deus, com sua oração, que é a crônica que repito agora, nesse momento silencioso, quase mudo, esse momento de partida, que me leva de volta a 1973 e ao dia em que descobri o mundo.

Voltar para crônicas de José Rocha


© All rights reserved.
Contact: Portal Nossa Lucélia Powered by www.nossalucelia.com.br