O tsunami, um telefonema de Zé Doca e o Itamaraty
30 de janeiro de 2005 - Jose Rocha

Uma família – pai, mãe e cinco filhos – se mudou do Maranhão para o Pará. Nada de anormal ou diferente nisso, não é? Meu pai também se mudou – do Ceará para São Paulo, com minha mãe e os três filhos. É assim mesmo. Os animais se mudam. Pássaros, abelhas, formigas, todos se mudam. É o processo migratório natural e, às vezes, sócio-econômico. Mas a mudança daquela família maranhense teve conseqüências diplomáticas. E eu conto.

Eles – pai, mãe e cinco filhos – deixaram Zé Doca, no noroeste do Maranhão, e foram morar em uma cidade paraense, pertinho de Belém, chamada Tailândia, com pouco mais de 40 mil habitantes - tinha cinco mil quando se emancipou, em 1989. Foi aí que o que poderia ser apenas uma mudança se transformou em um problema.

Veio o tsunami, a onda gigante, que atingiu em cheio a Tailândia, país da Ásia Oriental, e o Itamaraty pediu ajuda para obter informações sobre brasileiros desaparecidos – ontem, encontrou o último dos 411 que estavam na região atingida pela tragédia que provocou a morte de 280 mil pessoas.

Ocorre que um ex-vizinho daquela família, na pequenina Zé Doca, lá no Maranhão, viu o apelo do governo pela TV e se lembrou de que seus ex-vizinhos tinham falado que iam morar nessa tal de Tailândia. Preocupado, telefonou para Brasília, avisou que cinco pessoas – pai, mãe e cinco filhos – estavam na região do tsunami, e o Itamaraty incluiu, na lista dos desaparecidos, os cinco zedoquenses - deve ser assim que se chama quem nasce em Zé Doca.

Mas o governo sofreu para descobrir que o telefonema daquele ex-vizinho era um verdadeiro – e grato – engano. Procuraram na Polícia Federal. Nada. Na Tailândia, a asiática, não havia nenhum registro da entrada de uma família brasileira – pai, mãe e cinco filhos, de Zé Doca.

Foi quando o ministro Manoel Gomes Pereira, diretor do Departamento das Comunidades Brasileiras no Exterior, e chefe das operações de busca, sacou o “Plano B”: ligou para o prefeito de Zé Doca. “Sim, excelência”, respondeu o prefeito do outro lado. E no mesmo dia, com uma rápida pesquisa de boca em boca, tudo foi esclarecido. O ex-vizinho confundira as Tailândias.

Ainda bem que tudo não passou de um curioso engano em meio a tanta tragédia, principalmente para a família de Zé Doca, a cidade – pai, mãe e cinco filhos, que vivem em paz na Tailândia paraense e que talvez nem saiba que um cronista saído lá do Ceará resolveu escrever sobre o que deles foi sem nunca ter sido – graças a Deus e a São José de Ribamar, padroeiro do Maranhão.

José Rocha é escritor e jornalista, autor dos livros "Espelho quebrado", "Batatas fritas ao sol", "O verbo por quem sofre de verborragia", "Coração de Leão" e "A lua do meio-dia" (no prelo).

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