Recordando o Colégio São Domingos Sávio e o ensino ministrado pelos Salesianos de Dom Bosco (1ª Parte)
05 de setembro de 2008

Joaquim Malheiros Filho - Vamos escarafunchar o baú do passado para rememorar os gratificantes e venturosos idos dos tempos do extinto Colégio São Domingos Sávio da cidade de Lucélia e do eficiente ensino ministrado pelos padres salesianos.

Muito embora a poucos aproveite o saudosismo deste escrito pelo fato de que poucas pessoas de hoje tiveram a ventura e o privilégio de estudar no colégio em foco, porquanto o educandário cerrou suas portas há cerca de quarenta anos, mais ou menos no início dos anos sessenta, contudo estamos certos que algumas dessas pessoas gostariam de lembrar fatos e acontecimentos daquela áurea época.

Sabemos que muitos ex-alunos do Colégio São Domingos Sávio estão dispersos por nossa região, alguns em Adamantina e muitos em Lucélia. Em particular a esses é que se dirige esse escrito. Esperamos, entretanto, que estas reminiscências possam também aproveitar a aqueles que, muito embora não tenham estudado no colégio em questão, quer por impossibilidade na época ou então pela idade que hoje possuem (aqui considerando que o educandário encerrou suas atividades há cerca de 40 anos, daí porque seus ex-alunos atualmente têm idade ao redor de 55 anos), gostariam de saber como era o ensino naquela época e como era estudar no São Domingos Sávio.

Estudar no dito colégio (que atuava nas modalidades internato e externato) nos já muito distantes anos de seu então pleno funcionamento não era tão simples assim! Era muito difícil: não somente para os pais como também para seus filhos. O ensino era pago (muito embora os pais, conhecedores que eram da excelência do colégio e do ensino ali ministrado pelos padres salesianos, famosos educadores de então, não poupassem esforços para terem seus filhos ali estudando. Era pura satisfação para os pais ter um filho estudando no São Domingos Sávio). Dos filhos alunos também se se exigia muito: dedicação aos estudos; assiduidade às aulas; à missa diária antes do ingresso na sala de aula, freqüência ao catecismo e às atividades extracurriculares, que eram muitas, até mesmo nos finais de semana quando aconteciam inúmeras atividades esportivas, tais como: campeonatos de futebol de campo, salão, voley, handeball, basquete, xadrez, damas, cabo-de-guerra, atletismo, e muitos outros. Havia também para muitos a necessidade de andar muitos quilômetros a pé da zona rural, onde grande parte dos alunos então residia e ajudava os pais na difícil lida do campo. Poucos pais tinham condução motorizada e poucos estudantes tinham ao menos uma bicicleta para locomoção. Alguns até mesmo se deslocavam a cavalo.
Apesar de todo o sacrifício, valia a pena vencê-los para estudar no São Domingos Sávio!

O colégio, cujo prédio era imenso (e assim continua sendo, muito embora hoje parcialmente ocupado pelas faculdades que nele funcionam), era distribuído na sua parte térrea por inúmeras salas de aula, secretaria, diretoria. Externamente, havia a cantina (onde se comprava, durante o ansioso e aguardado recreio, muito refrigerante Grapette (tipo Fanta-Uva, mas muito, muito mais saboroso, e Crush (tipo Fanta-Laranja), também então muito bom) o refeitório (que por vezes era transformada em local para a apresentação de peças de teatro ou espetáculos musicais), a área de recreação, e a quadra de esportes. Havia ali também uma igreja de N. S. Auxiliadora, com acesso interno e externo, em cuja capela de muita beleza, consistente de muitas imagens de santos e anjos (que naquela época eram grandemente venerados e invocados) e com o Cristo Crucificado e a imagem da Virgem Auxiliadora em destaques, diariamente, antes do início das aulas, ou mais precisamente às 7h00 da manhã, celebrava-se a Santa Missa, de freqüência obrigatória para os estudantes. Sem que o aluno assistisse a missa, não lhe era permitido freqüentar as aulas do dia. O estudante faltoso voltava para casa, sendo-lhe obrigatório trazer o pai ou o responsável no dia seguinte ao colégio para justificar a falta. Chegar atrasado também sujeitava o estudante à punição que, na maioria das vezes, consistia em transcrever no caderno depois das aulas (o aluno permanecia em classe) páginas e páginas do livro de geografia (do Haroldo de Azevedo) ou então do livro de História (do Rocha Pombo), após o que, horas depois, não raramente muito cansado e até esfomeado, ia para casa, após conferência do cumprimento do “castigo” (que se recebia sem contestação, posto consciente o estudante da falta cometida) pelo Padre Conselheiro. Joaquim Malheiros Filho é ex-aluno do São Domingos Sávio e Promotor de Justiça aposentado. (artigo publicado em 21 de maio 2004 no Diário do Oeste – Adamantina – SP)


Recordando o Colégio São Domingos Sávio e o ensino ministrado pelos Salesianos de Dom Bosco (2ª Parte)
05 de setembro de 2008

Joaquim Malheiros Filho - Falando em Padre Conselheiro, é preciso aqui enfatizar que este era então o "curinga" do colégio. Fazia de tudo: era o tutor dos alunos, cuidava com rigor, porém sempre com muito amor e carinha, de todos, atendia os pais, vigiava os corredores, atendia as salas de aula. Acompanhava os alunos nas atividades de fim de semana: nos esportes, no catecismo, nos passeios: alguns para o então lindo Salto Carlos Botelho, no Rio Feio, na época muitíssimo freqüentado pelas famílias da região e onde se passavam horas agradabilíssimas, todos irmanados e no mais absoluto recato, respeito e fraternidade.

Naquela época, o nosso Conselheiro era o inesquecível Padre Moacir Coelho. Extraordinária figura. Padre dos mais vocacionados e dedicados. Sensível e humano! Sabia dosar perfeitamente as coisas! Era rigoroso, confidente e amigo dos alunos e de todos. Sabia adequadamente conquistar a estima, o carinho e o respeito de todos, indistintamente: pais, alunos e as pessoas em geral. Dele sentimos especial saudade, não porque os demais padres que passaram pelo colégio fossem menos categorizados ou afinados com os alunos (todos assim o eram) que ele, mas sim porquanto como Padre Conselheiro era aquele mais ligado no dia-a-dia dos alunos, a saudade que fica obviamente é maior! A última notícia que recebemos acerca do paradeiro do Padre Moacir foi de que estava no Colégio Dom Bosco de Campo Grande, MS.

O Padre Conselheiro era, apesar de tudo, o grande "temor" dos alunos mais avessos à disciplina do colégio. Fosse surpreendido por ele na "molecagem", o "pau comia". No bom sentido é claro! Ufa! Aqui nem é bom falar dos nossos então "opressores" Haroldo de Azevedo e Rocha Pombo. Até hoje muitos dos ex-alunos estão perfeitamente sabendo, até em minúcias, quem foi D. Pedro I ou Pero Vaz de Caminha ou onde fica exatamente o Pico da Bandeira ou o Dedo de Deus!

Acabada a missa que era rezada em latim (ainda lembramos perfeitamente da recitação do "Tatum Ergo") e com o padre de costas para o público, os alunos, em fila e em silêncio, dirigiam-se para a respectiva sala de aula, de acordo com a turma e série escolar.

As aulas eram todas, sem exceção, ministradas por padres ou clérigos da congregação salesiana e somente eram iniciadas e finalizadas com a recitação de uma oração! Também se hasteava a Bandeira da Pátria e se cantava o Hino Nacional. Em outras ocasiões, se cantava outros hinos cívicos. Todos nós sabíamos os diversos hinos: à Bandeira, da Independência e outros.

As matérias eram então as mais diversas e completas: Português, Latim, Inglês (ou Francês), História e Geografia Geral e do Brasil, Matemática (o livro mais adotado então era o do Prof. Osvaldo Sangiorgi), Música e Canto Orfeônico, Religião, Artes manuais, e outras. As provas: escritas e orais, eram mensais e havia obrigatoriamente nota mínima para aprovação. Não alcançada esta, a reprovação era certa!

O controle da vida escolar era feito por meio da "Caderneta de Estudante", cuja primeira folha continha a foto do aluno e seus dados pessoais. Havia também páginas para diariamente se "carimbar" a freqüência às aulas (o aluno faltante era obrigado a documentar por escrito a razão da falta (alguns "fajutavam" tal exigido documento. Descoberta a "fajutagem" a conseqüência era duríssima, com a presença dos pais no colégio, para imposição de pena ao aluno e rigorosa admoestação! A barra era pesadíssima!). A caderneta também possuía algumas páginas, essas verdadeiro terror ou alegria para o estudante, onde eram registradas as notas das provas, com as baixas sempre anotadas em vermelho. Para aterrorizar ainda mais o aluno, o pai ou responsável tinha que assinar tal página. Muitos, quando do recebimento das notas, tinham "tremedeira" ou "diarréia" para apresentar a caderneta para o responsável assinar. Alguns menos corajosos, também "fajutavam" a assinatura do responsável.

Não somente pelo temor da reação do pai ou da mãe ou de ambos, mas também por vergonha do fracasso nas provas, vez que naquela época o aluno, embora cometendo uma ou outra "malandragem", contudo sem conseqüência maiores, efetivamente estudava (e ainda trabalhava para ajudar os pais) muito para que pudesse alcançar futuro promissor (muitos realmente conseguiram lograr êxito nas profissões escolhidas. Passaram pelo São Domingos Sávio alunos que hoje são profissionais de destaque na medicina, no Direito, na Engenharia, no Magistério, e em muitas outras atividades. Basta conferir.

Além do ensino na sala de aula, o aluno levava trabalho escolar para desenvolver e solucionar em casa, que, depois, recebia nota que, por vezes, era somada à da prova para a nota final. Todos se esmeravam ao máximo nesses trabalhos!

Finda a semana, nos sábados (dia também que usualmente tinha aula) e nos domingos, acontecia, normalmente num campo de futebol ao lado do prédio do colégio e num seu anexo coberto, a parte recreativa e esportiva. Havia então diversos campeonatos e torneios de diferentes modalidades esportivas: futebol de campo, malha, voley, handball, peteca, damas, xadrez, futebol de salão, basquete e vários outros. Os campeonatos eram divididos entre maiores e menores. Todos, ao final, eram premiados segundo a classificação obtida com troféus e medalhas. Todos procuravam render o máximo para ser premiado! As batalhas esportivas se desenvolviam sempre num clima de muita alegria, companheirismo, lealdade e sobretudo de muita fraternidade. Não raramente, os padres disputavam diferentes modalidades com alunos ou, quando não, participavam espontaneamente das disputas. Sem nenhum favorecimento ou privilégio de parte a parte, frise-se!

Aqueles que compareciam assiduamente ao catecismo, recebiam uma "senha" para assistir a filme que era projetado em "branco e preto" num famoso aparelho de então: Bell & Howell, que às vezes era preciso se deixar esfriar para dar prosseguimento à projeção. Os filmes exibidos comumente eram seriados cósmicos do Flash Gordon, faroestes do Durango Kid e do Cavaleiro Mascarado, e aventuras do Tarzan e do Fantasma, com seu anel da caveira e o seu inseparável cão Capeto. É preciso também se mencionar aqui a exibição de grandes épicos como os Dez Mandamentos, Sansão e Dalila, Spartacus, Paixão de Cristo, Ben-Hur e outros tantos.

As cerimônias de formatura eram fantásticas, bem como assim os desfiles dos alunos pelas ruas e avenidas de Lucélia nas festas e datas cívicas, tendo sempre à frente a elegância do fardamento, o entusiasmo e a cadência da fanfarra do colégio. A postura e o garbo da escola eram enormemente elogiados por todos. Disputava-se renhidamente entre os alunos compor vaga na fanfarra. Conquistar uma "caixinha" ou um "surdo" então era o grande sonho.

Grandes e inesquecíveis foram os mestres do colégio de então. Lembramo-nos de alguns, com o perdão de outros que nossa memória não consegue externar: Padres Moacir Coelho, Alfeu Levorato, Benjamim Pádoa (diretor), José, Alfredo e Clérigos: Herbert Franta, Macrino Guzman e Guzman, Pedro Bittner. Outros nomes poderão ser lembrados por antigos alunos de Adamantina: Daniel Haga, Luiz ("'Lulu") Lucianet, Diniz Parússolo e vários outros; de Lucélia: das famílias Laranja, Ferruzzi, Pelozzo, Sgarbi, Manzano Sampaio, Martins, Facioli, Mondini, Cavallaro, Rapacci, Arruda, Landim, Barros, Donatoni, Fontes, Santos, Takahashi, Oshima e tantas e tantas mais.

Entre os padres não docentes, lembramo-nos particularmente, também com muita saudade, do saudoso Padre Pian, já então avançado na idade, mas sempre incansável na vocação e no trabalho. Era muito dedicado à sua criação de coelhos, alguns de raça alemã e muito admirados pelo porte e pela beleza! É bem possível, para não dizer certeza, que eu e o Afonso Celso Fontes Santos, tenhamos comprado algum coelho do Padre Pian para as nossas criações de então.

Tudo então foi muito bom e inesquecível! A única lembrança triste foi a trágica e prematura morte, em 92, do aluno Luiz Clóvis de Oliveira, filho de tradicional e benquista família luceliense, vitimado por disparo acidental de arma de fogo, que comoveu a cidade e muito especialmente a comunidade salesiana. Luiz Clovis era tido e havido como exemplo de aluno salesiano: dedicado ao estudo, ao trabalho, aos amigos!

Como quase tudo na vida tem começo, meio e fim, assistimos com pesar e profunda emoção o fim do inesquecível Colégio São Domingos Sávio e de resto do extraordinário trabalho missionário e educador dos Salesianos de Dom Bosco, patrono juntamente com Domingos Sávio, da juventude. Com certeza muito devemos aos Salesianos por tudo aquilo que de precioso nos proporcionaram por meio de seus muitos talentos, vida despojada, abnegação ao sacerdócio, à fé e ao trabalho. A presença dos queridos e inesquecíveis Salesianos ainda se faz presente pelo mundo afora, especialmente em distantes pontos da África, da Ásia e da América, onde se dedicam com entusiasmo à evangelização, à saúde e à educação principalmente dos mais necessitados. No Brasil, as antigas e ainda fantásticas Missões Salesianas estão presentes particularmente no Mato Grosso e na Amazônia ajudando em especial as populações indígenas.

Sabemos da existência atualmente de alguns poucos colégios salesianos ainda em funcionamento, a exemplo dos de Campinas, Lorena, São Paulo, Campo Grande (MS), certamente muito aquém, por razões das mais variadas, da excelência do "Padrão Salesiano" de ensino de então.

Ter sido aluno Salesiano foi verdadeiro presente para seus ex-alunos. Sem dúvida, fomos forjados na têmpera salesiana! Nossas vidas foram guiadas pela educação deles recebida; cultural, religiosa, ética e moral. Parcela grandiosa do sucesso que obtivemos devemos a eles; daí porque somos lhes eternamente agradecidos, sem demérito daqueles outros que nos ajudaram nas mais diversas etapas de nossas vidas até aqui.

Algum tempo atrás, por conta e obra do saudosismo, visitamos o prédio do antigo Domingos Sávio. Ali percorremos: devagar, pausada e refletidamente, todos os lugares que palminhamos com os nossos inesquecíveis colegas de então. Por breves tempos, ouvindo, também em silêncio, as paredes, com suas incontáveis e as mais incríveis histórias, ali voltamos a viver docemente na lembrança aqueles extraordinários e felizes tempos ali passados. Foi um misto de indescritível emoção, alegria e de profundo sentimento de falta!

Esperamos um dia, mesmo que este aconteça quando não mais existirmos, possa haver o ressurgimento, no sentido amplo da palavra, dos educandários salesianos no Brasil e no Mundo sob as bênçãos de NS Auxiliadora, Protetora dos Salesianos, de São João Bosco e de São Domingos Sávio, patronos da juventude, para que novas futuras gerações possam ter os Salesianos entre seus educadores!
Que saudades amigo! Joaquim Malheiros Filho é ex-aluno do São Domingos Sávio e Promotor de Justiça aposentado. (artigo publicado em 22 de maio 2004 no Diário do Oeste – Adamantina – SP)

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